CLICK HERE FOR BLOGGER TEMPLATES AND MYSPACE LAYOUTS »

CARTA DE DESCULPAS A MÃE DÁLILA

CARTA DE DESCULPAS A MÃE DALILA




Guaiba, 28 de Setembro de 2008.


Agô:


À Xangô, Orixá regente do ano e Senhor de domínio da natureza onde estamos;


À Odé, que zelou pela existência de mãe Dalila para que ela abrisse o espaço para  estarmos juntos no dia de hoje e à sua memória;


Aos presentes e à toda comunidade Guaibense:




Não sabemos ao certo o dia e a hora em que todos os fatos se iniciaram de modo a nos reunir trazendo-nos até aqui nesta tarde, mas de uma coisa temos certeza, mãe Dalila quando em vida, em sua missão neste mundo, recebeu a incumbência maior do que as dos demais religiosos, não só por ser responsável por guardar os Orixás e orientar a vida espiritual das pessoas, mas por demarcar no município um território sagrado para a matriz africana que foi além dos limites de sua própria casa. 
Pelos empecilhos e dificuldades que nos abatem, imaginamos que não deva ter sido fácil para a mulher Dalila, líder religiosa, num período em que não se falava de democracia racial, não se discutia a questão de gênero, a preservação e respeito aos território sagrados, nem patrimônio material e imaterial da cultura afro brasileira.  Não se falava em meio ambiente e segurança alimentar, quanto mais no município de Guaiba que mesmo atualmente, tem dificuldade de discutir assuntos polêmicos desta natureza, uma neutralidade que oculta um posicionamento político de ausência de atenção aos interesses deste segmento populacional aqui representado.  
   Seguindo esta linha de entendimento, podemos abrir outros questionamentos no que se refere ao posicionamento do poder público e de nossa comunidade: 
Na tradição oral existente Mãe Dalila conquistou estes espaços junto ao poder público na época, entorno de 40 anos atrás. O que há com o poder público hoje? Retrocedeu?
O que leva o município a despender o dinheiro público aleatoriamente em atividades que não são reconhecidamente patrimônio da cidade? E quais são os critérios que referendam tais escolhas?
Ao chegarmos na Pedra de Xangô e na Gruta de Oxum, constatamos que não só o poder público negligenciava a sua responsabilidade mas a comunidade religiosa também se desprendeu do comprometimento com a sua raiz. Que dificuldade teriam tido estes religiosos para entender que este espaço também lhes pertencia?
  E finalmente, porque o município e a comunidade religiosa não observaram tudo isto durante tanto tempo?
Na realidade é muito mais fácil apontar o outro e não vermos a nossa responsabilidade. Cidadania, segundo a constituição de 1988, é a garantia de direitos e deveres para o cidadão e para o estado, e por isso é legítimo o processo democrático garantido por ela e realizado em momentos como este de questionamento sobre o papel de cada um.
 Este é o que podemos chamar de discurso político. 
Na religiosidade, o discurso sagrado diz que se o ano é de Xangô, estamos aqui porque  Xangô quer, porque ele determinou que fosse este grupo, estas pessoas, neste momento, ordenados pelos pais para serem instrumentos desta tarefa assumindo o seu papel.
 Sabemos que nem todos compartilham com o sentimento que nos motiva estar aqui nesta tarde mas entendemos que nem todos foram designados para esta grande missão e a diferença reside no sonho de cada um, enquanto uns querem seguir sozinhos nós temos um projeto que se sonha coletivamente. Tudo isso em nome da fé e do respeito que dedicamos e exigimos aos Orixás  e pelas religiões Afro-brasileira, assim honramos a iniciativa e a memória de mãe Dalila de Odé.  A partir de agora sua luta foi liberada pelos Orixás como sendo uma luta de todos nós!
A Assobecaty – Associação Beneficente Cultural Africana Templo de Yemanjá, a Comissão Permanente da Semana da Umbanda e Religiões de Matriz Africana, as demais casas de religião e entidades apoiadoras do município de Guaíba que assinam esse documento, assumem publicamente o compromisso de ver reconhecido, respeitado e preservado não somente em âmbito municipal, mas em âmbito estadual e federal, a Pedra de Xangô e a Gruta da Mãe Oxum. 
Somente assim, nos sentiremos dignos do legado deixado pela mãe Dalila à cidade e, licenciados neste momento pelos Orixás. 
Acreditamos com isso, reparar o tempo perdido com a nossa falta de atenção aos ricos espaços naturais, belos por si só, quanto mais consagrados como um dos poucos espaços delimitados para a matriz africana no município de Guaiba, no estado do Rio Grande do Sul e, neste sentido, na pequena África do nosso Afro Brasil. 




Assinam este documento:


ASSOBECATY






“Pedra no caminho, recolho todas, para com elas construir o meu castelo”
Carlos Drumond de Andrade


‘Quanto mais pedras colocarem no nosso caminho mais alto nós vamos subir”
Mãe Carmen de Oxalá